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Análise do Acórdão do STF - ADPF 186 Cotas Raciais

Análise do Acórdão do STF, referente ADPF n° 186 e posicionamento quanto à constitucionalidade das cotas raciais nas universidades à luz de “O conteúdo jurídico do Princípio da Igualdade” – Celso Bandeira de Mello.

Maria Érica Xavier Batista[1]

RESUMO: Introdução; 1. As cotas raciais; 2. Princípio da Igualdade; 3. O voto dos Ministros; 4. Posicionamento; 5. Considerações Finais; 6. Referências.

PALAVRAS-CHAVE: COTAS, RACIAIS, PRINCÍPIO, IGUALDADE, CONSTITUCIONALIDADE, STF, ISONOMIA.

INTRODUÇÃO:
           
O escopo fundamental do presente trabalho é observar à luz do princípio da igualdade, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da constitucionalidade de cotas raciais instituídas nas universidades.
A Máxima Corte Judicial Brasileira, a quem respeitamos e nos submetemos conforme ordenamento de nosso Estado Democrático de Direito, proferiu decisão em relação à Ação de descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), promovida pelo Partido dos Democratas (DEM), em razão da instituição das cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB).
Oque nos interessa no presente momento é refletir acerca de tal decisão e um possível, subjetivo, assalto ao princípio constitucional da isonomia diante do que fora exposto por Celso Antônio Bandeira de Mello em sua obra mais do que conhecida.

1.      COTAS RACIAIS

As cotas raciais são por definição reserva percentual de número de vagas, destinadas à atender o ingresso do público negro.
      No Brasil, o conhecimento do tema foi ampliado a partir do ano 2000, quando instituições públicas e universidade passaram a adotar este sistema em concursos e vestibulares, onde a Universidade de Brasília foi a pioneira.
Neste sistema são beneficiados não somente os negros, mas também índios e descendentes, há ainda algumas universidades que beneficie com determinada cota a população parda.
O problema nasce de fato com a classificação da pessoa qualificada, a partir de exame de cor e entrevistas, entre outros procedimentos possíveis, a participar ou não da reserva de cotas. Exemplo disto é o famoso caso dos irmãos gêmeos idênticos que receberam pareceres distintos, sendo um qualificado e outro não.[2]

2.      PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Segundo Celso Antônio, a conhecidíssima frase de Aristóteles, que define a igualdade como sendo o tratamento igualitário aos iguais e desigualitário aos desiguais, não é suficiente para definir o exato conceito acerca do princípio da igualdade, enquanto não estabecemos quem é igual e quem é desigual.
Questiona Celso, quanto ao verdadeiro destinário deste princípio e conclui que o fim do princípio da igualdade é ao legilador e por consequência a legislação por ele estabelecida. Contudo, é da própria natureza da lei discriminar e estabelecer norma a partir desta discriminação. Celso de Mello discorre sobre o assunto:

 “Quando é vedado à lei estabelecer discriminções, ou seja, quais os limites que adversam este exercício normal, inerente à função legal de discriminar?”[3]. 

Dá-se tal reflexão, em razão da obrigatória e constante necessidade de discriminação por parte do legislador a fim de exercer sua função legislativa já que naturalmente a este fato, acompanha a necessidade de estabelecimento de critérios para tal discriminação, e inevitável presença dos termos cor, raça e religião.
Chega entretanto à conclusão de que exitem duas igualdades simultâneas: A igualdade na lei, aquela que é dispensada pelo legislador na formulação da norma, e a igualdade perante a lei, aquela que os aplicadores do direito estão a ela adstritos[4].
O autor afirma não ser no traço de diferenciação escolhido, o local correto para buscar-se a presença de desacato ao princípio isonômico, mas na equação lógica descrita:

“As discriminações estão em consonância com o princípio da isonomia somente quando: exite correlação entre o diferencial escolhido e a desigualdade de tratamento em razão dele, desde que esta correlação não seja incompativel compreceitos previstos em constituição.”[5]  
Diante destas considerações Celso Antônio mergulha ainda mais profundo, estabelecendo critério para avaliação de existência de afronta ao Princípio da Igualdade.
Para ele são objeto de análise: a) Elemento fator de desigualação, este precisa obrigatoriamente ser intríseco ao discriminado, nunca extrínseco sob pena de preconceito e discriminação perjorativa, não servindo como critério difenciador de indivíduos para fins legais, já que a constituição busca impossibilitar a desequirparação fortuita ou injustificada de seus atendidos; b) Correlação lógica e abstrata entre elemento e disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado, ou seja, é essencial que exista uma correlação entre o elemento diferenciativo e a desigualdade observada, que dê origem ao díspar tratamento dispensado; e c) correlação lógica concreta. Consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e juridicizados. Satisfeitas todas as condições citadas numa mesma situação, a mesma não constituirá ofensa ao princípio constitucional.
Este cuidado de Celso deve-se às intenções constitucionais de assegurar garantias e tolher favoritismos. Nesta ótica o alcance do número de beneficiários é de extremada inmportância, já que uma lei que diferencia um individuo a tal ponto, no tempo e no espaço, é explicíto exemplo de atentado ao princípio.


3.      O VOTO DOS MINISTROS

O relator do Processo, Ministro Ricardo Lewandowski, apresentou voto desfavorável à ação e, em resumo, seus principais fundamentos foram:
1.      Igualdade formal versus Igualdade material, onde a Constituição prevê instrumentos de jurídicos para garantir efetiva eficácia ao princípio da igualdade, sob a jutificativa de permitir a superação desigualdades decorrentes de situações históticas particulares.

2. A análise da estratificação social que consiste em técnica de distribuição de justiça, que em última análise, objetiva, promover a inclusão social de grupos excluídos ou marginalizados, especialmente daqueles que, historicamnte foram compelidos a viver na periferia da sociedade.[6]
3. A instituição de políticas de ação afirmativa, que tem caráter transitório, ou seja, são intituídas com a finalidade de equiparar. Cumprida sua função deve ela ser desativada, a fim de não consolidar direitos desiguais ou distintos para os diversos grupos raciais.
4. O critério para ingresso no ensino superior: princípios: de igualdade de condições para acesso e permanência na escola, pluralismo de ideias e gestão democratica do ensino público. Evidencia o art 208 V, CF “segundo a capacidade de cada um”.Na ação questiona-se a metodologia de reserva de vagas.
5. Critério objetivo de seleção em sociedade tradicionalmente marcada por desigualdades interpessoais profundas acaba por acirrar as distorções existentes.
Art 205 da CF: “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando pleno desenvolvimento da pessoa,seu preparo pra o exerc´cio da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
6. Adoção do critério etnico-racial. Discriminação social baseada nesse critério, prquanto se trata de um conceito histórico – cultural, artificialmente constrúido, para justificar a discriminação ou, até memso, a dominação exercida por alguns indivíduos sobre certos grupos sociais, maliciosamente reputados inferiores.
7. Consciencia etnico-racial como fator de exclusão: a finalidade utlmia do programa é colocar um fim àquilo que foi seu termoinical, ou seja, o sentimento de pertencer a determinada raça ou de sofrer discrimnaçãopor integrá-la; A criação de lideranças entre os grupos discriminados capazes de lutar pela defesa de seus direitos. Além de servirem, como paradigmas de integração e ascenção pessoal.
8. O papel integrador da Universidade: Universidades representam um celeiro privilegiado para o recrutamento de futuros ocupantes dos altos cargos públicos e privados do país.Trata de incluir o outsider.
9. Autoidentificacação e heteroidentificação (identificação pelos outros) como criterio de conformidade constitucional.Ultiliza a mesma fundamentação constante no art 37, VIII da cf, sobre o estabelciemento de cotas para deficientes.
10. Transitoriedade da Ações Afirmativas: A UnB estabeleceu a reavaliação no perído de 10 anos.
11. Proporcionalidade entre meio e fim: a proposta não se mostra irrazoável nem desproporcional no tocante a promoção da desigualdade com fins de igualar os desiguais.
A fundamentação do Ministro é realmente interessante e aparentemente, técnicamente correta. Os demais Ministros acompanharam integralmente o voto do relator.

4.      POSICIONAMENTO

Diante de todo o exposto, escolhemos a posição de ser contra as cotas raciais, porém já não exclusivamente apoiados na justificativa de sua declaração de constitucionalidade positiva ou negativa, mas também na ausência de crença que possa esta, ser a solução ideal para a situação em que se encontram os negros.
É fato que o Brasil tem uma dívida social com a população negra por fatores históricos já apresentados, porém é necessário encontrar resposta que conjugue a equação entre as discrepâncias estabelecidas à esta população naquel tempo e a atual situação, onde a grande maioria do país se encontra: na interesecção das raças
Por outro lado ainda, encontramos uma situação, a nosso ver, é ainda mais interessante: um indivíduo negro cresce no mesmo ambiente habitacional educacional e social, de um colega de cor branca. Ambos frequentam os mesmos lugares, recebem a mesma educação e mesma formação escolar. São idênticos enquanto seres pensantes, porém em razão dos fatores históricos, o negro é considerado descendente dos excluídos sociais de outrora, e tem vantangem classificatória sobre o colega intelectualmente semelhante.
Perguntamos: O que há de justo nisto? Qual é o benefício de semear a segregação em razão de um peso de consciência da nação? Seria este o pagamento esperado pelo nicho a ser favorecido?
Compreendemos que a intenção de nossos ministros, certemente, é de criar equiparação a curto e médio prazo, oferecendo aos negros a possibilidade de ascenção social que lhes caberia, fosse a liberdade a eles conferida de maneira justa e verdadeira em seu tempo. Contudo não podemos perder de vista que um erro não pode ser corrigido apenas com boas intenções, mas sim com ações práticas que beneficiem não somente aos que foram, mas àqueles que são: são negros, são descendentes de negros (mestiços em geral).
Informam as estatísticas que somente 6,9% da população se intitula negra, enquanto 42,6% intitula-se parda. Acredita-se que isto se deva à baixo estima da população negra em relação aos fatores históricos e reflexos contemporâneos. Contudo ousamos afirmar que, se o problema da população mestiça e negra é a baixo estima, que seja esta o alvo do tratamento e não se usem medidas paleativas a fim de justificar seu tratamento à custa da segmentação da população. Há ainda que se observar os critérios determinados por Celso Antônio, a fim de garantir a legitimidade da discriminação formal enquanto risco ou não ao princípio da igualdade.
Nos dobramos, no sentido de que, diante dos critérios de legitimidade discriminativa para o estabelecimento de normas e a análise proposta por Bandeira de Mello, nossa Suprema Corte, mesmo diante de nossas alegações, não equivocou-se quanto à dois ítens. Enxergamos a correlação lógica abstrata, entre o elemento diferencial escolhido – cor e a descendência;e a desigualidade de tratamento – a reserva de cota racial, já que visa atender a vários indivíduos inclusos. Visualizamos ainda a correlação lógica concreta, residente na intenção de ressarcir dignidade social aos atingidos por fato histórico altamente depreciativo de cunho irreparável. Observamos ainda a consonância desta norma com o texto constitucional e seus intuitos de igualdade.
Contudo não estamos convencidos que de a primeira das exigências de Bandeira de Mello, que consiste na residência do elemento discriminativo na pessoa do indivíduo e não fora dele, tenha sido alcançada. Justificamos tal ênfase, no fato de que, apesar da cor e da descendência estarem na pele e no ser do indivíduo e portanto, ao primeiro olhar atingidos os requisitos, o que determina a inclusão do indivíduo neste programa é em escala absoluta a cor, como já justificado pelo caso anteriormente citado na ítem 2 deste trabalho.[7]
Em estudo fixado pelo laboratório GENE[8], denominado “Raizes afro-brasileiras”, detectou-se o grau de africanidade de personalidades brasileiras, na expectativa de motivar a população negra acerca da influência ancestralidade genética e o sucesso profissional. Os testes, para a surpresa de muitos não resultou extamente no esperado, e pessoas reconhecidamente negras como a atleta Daiane dos Santos, que percebeu apenas 39,7% de africanidade contra 40,8% de europeicidade ou próprio cantor Seu Jorge, que obteve o maior índice, 85,1% de africanidade contra 12,9% de genes europeus, ficaram frustrados por perceber que a raça negra, bem como as demais raças conhecidas, já não existem em sua pureza e que o tempo se encarregará de extinguí-las de fato, coisa que os estudos sociais já denotam há algumas décadas.[9] 
Embora possa parecer, a descendência não é o primeiro fator de diferenciação adotado, mas sim a cor, que é na verdade o traço mais marcante da raça negra. Assim a cor acaba por assumir um papel muito mais importante que a ligação histórica e direta do indivíduo com o fato depreciativo ocorido. Um descendente de negros, portador de gens que o pigmentem menos que aos seus familiares é excluído do pagamento de uma dívida histórica da qual ele também é credor do Estado Brasileiro. Sendo assim duplamente punido.

5.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

É diante destas razões que terminamos o presente trabalho, deixando a critério do leitor a livre opção de pensamento e reflexão. Nosso intento não é nem de longe criar conflitos quanto à natrureza correta ou incorreta da declaração de constucionalidade, é antes, de buscar que nossa atenção se foque em resolver de fato as diferenças causadas artificialmente, atingindo seu âmago e as pacificando definitivamente, e não através de uma maquiagem social paleativa que de fato não extingue o conflito social.
A expectativa é de que pacificadas as diferenças extraordinárias, possamos conviver numa sociedade que respeita e assume suas naturais diferenças: físicas, étnicas e religiosas em geral em pé de igualdade.

6.      REFERÊNCIAS

_______.Constituição Federal Brasileira de 1988;

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 8° tiragem, 3° ed., Malheiros: São Paulo, 2000.
           
_______. Voto Ministro Lewandowski. ADPF 186.
LESME, Adriano. Cotas Raciais. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/educacao/sistema-cotas-racial.htm> Acesso em 17-05-2012.
VALLE, Verlan. VENTURA, Ricardo. Artigo: Biorrevelações: testes de ancestralidade genética em perspectiva antroplógica comparada. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ha/v17n35/v17n35a08.pdf> Acesso em 18-05-12.



[1] Acadêmica de Direito, 3° Ciclo – Unimonte/ Santos. Editora responsável do Boletim Jurídico Acadêmico “O juízo”. Publicitária. 
[2] Fato ocorrido em 2007 em entrevista de processo de enquadramento em cotas raciais na UnB. Após grande polêmica midiática, a UnB resolveu enquadrá-los igualmente sanandoo conflito.
[3] Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, p.13.
[4] Diz-se a respeito da ligação entre o operador do direito e a norma subjetiva da aplicação deste.
[5] Conteúdo do Princípio da Igualdade, p.17
[6] Voto do Ministro Lewandowski, Justiça distributiva, Parágrafo 3.
[7] P.2  Irmãos gêmeos identicos, onde um fora classificado para oprograma e outro não.
[8] Núcleo de Genética Médica fundado e presidido pelo também médico e geneticista Sérgio Danilo Pena.
[9] VALLE, Verlan. VENTURA, Ricardo. Artigo: Birrevelações: testesde ancestralidade genética em perspectiva antroplógica comparada.

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